O Xadrez é usado como importante ferramenta pedagógica nos países desenvolvidos há muitos anos. Rússia, Alemanha, Índia, China e Espanha têm no jogo um recurso para treinar importantes habilidades, o que acaba resultando em uma melhora na média do desempenho escolar das crianças que têm contato com a modalidade.
Entre as qualidades específicas que o Xadrez ajuda a desenvolver, podemos listar como as mais significativas:
• raciocínio lógico;
• concentração;
• memória;
• tomada de decisão;
• avaliação de cenários;
• respeito às regras;
• cálculo matemático;
• gestão do tempo;
• gerenciamento de competição;
• análise de desempenho.
Nas capacidades citadas acima, destaco quatro, que têm relação direta com o desempenho acadêmico dos alunos.
O raciocínio lógico é fundamental, independentemente da matéria escolar. Seja na habilidade de descartar rapidamente alternativas erradas em uma prova de testes, como é o caso de vestibulares, ou identificar dicas importantes que um professor dá na véspera da prova, o raciocínio lógico é indispensável para qualquer aluno.
Dei o nome de “Estratégia de Prova” a um experimento que fiz com alguns alunos: com a autorização dos professores de matemática, pedi aos estudantes para enumerar as questões por ordem crescente de dificuldade, sendo 1 para a questão mais fácil e 10 para a mais difícil. A ideia é que, para um aluno médio, existem entre seis e oito pontos na prova que se ele estiver razoavelmente descansado e com a autoestima minimamente boa, vai acertar sem fazer muito esforço.
Pelo meu raciocínio, um aluno que resolve a prova pela ordem “normal” não leva em conta suas facilidades e acaba “emperrando” em questões que lhe tirarão energia, confiança e tempo. Isso pode prejudicar seu desempenho em desafios maiores.
A minha tese, comprovada na prática, comparou alunos com médias e capacidades parecidas. O estudante que faz uma correta estratégia de prova tem um desempenho claramente melhor do que aquele que a faz sem nenhuma estratégia, resolvendo a avaliação pela ordem proposta pelo professor. O aluno médio, que fez a estratégia, garantirá aproximadamente seis pontos, sem grande desgaste e sem consumir muito tempo, e terá aproximadamente dois terços do tempo para tentar “brilhar” nos quatro pontos que restam em busca da nota excelente.
Uma outra característica que o Xadrez desenvolve é o poder de concentração. A geração Alfa (nascidos após 2010) tem facilidade para aprender, uma adaptação natural aos meios tecnológicos, mas, na média, dificuldade em focar e se aprofundar em algo específico. O Xadrez treina a abstração para que a criança consiga chegar a um nível de concentração que outras que não jogam Xadrez, geralmente, têm grande dificuldade de conseguir.
Em 2019, em visita à Rússia, fiquei impressionado com um grupo de alunos de até 10 anos: eles conseguiam, durante aproximadamente 20 minutos, olhar e analisar uma posição no tabuleiro com a calma e a concentração que seriam desejadas por mestres experientes. Não tenho dúvida de que esse poder de concentração, análise e abstração é altamente positivo no desempenho acadêmico das crianças.
A memória é outra característica bastante relevante no contexto acadêmico. Um aluno que consegue ser uma “esponja”, absorvendo grande parte do conteúdo que aprende em aula, precisará estudar muito menos em casa e terá mais tempo para as várias atividades. Se ele, por meio do Xadrez, desenvolveu a concentração, terá mais facilidade na memorização também, pois está mais focado do que a média.
Como exemplo de atividade que tem o Xadrez como pano de fundo, mas não exige o conhecimento das regras, gosto deste, que desenvolve concentração, memória e raciocínio lógico, ao mesmo tempo: usando o tabuleiro, que é um plano cartesiano, com coordenadas de letras e números, eu monto uma posição com as peças. Costumo usar três peças brancas e três pretas, e peço para os alunos olharem o tabuleiro durante um minuto e meio, buscando uma estratégia para memorizar a posição das peças. Depois de encerrado o tempo, tiro todas as peças e entrego para a criança, que terá que montar a posição exata que visualizou. É interessante para avaliar as características de cada um e comparar o raciocínio e a estratégia.
Uma outra experiência interessante é contrapor o desempenho de alunos que sabem jogar Xadrez e estão acostumados a pensar estrategicamente com alunos que não sabem. Pela minha experiência, a diferença entre os dois grupos é gritante!
A última qualidade que vou abordar é a gestão do tempo. No Xadrez, por termos um tempo determinado para encerrar a partida, necessitamos escolher o quanto investir em cada jogada para que consigamos vencer antes de acabar nosso período regulamentar. Um paralelo claro pode ser feito com relação ao vestibular. Os alunos, geralmente, dispõem de quatro horas para resolver um determinado número de questões. A escolha de quanto tempo devemos nos dedicar a cada uma, a ordem que faremos a prova e até escolher as perguntas que iremos “chutar” são fundamentais para que o aluno potencialize o seu desempenho. Colhendo depoimentos de vários alunos enxadristas, fica claro que a gestão do tempo é natural para eles. Quando conversamos com alunos de fora do meio do Xadrez, que não estão acostumados a lidar com essa pressão, ouvimos casos em que essa falta de costume pesou negativamente no desempenho geral da prova.
Não tenho dúvidas de que o Xadrez é um importante auxiliar para escolas, buscando o desenvolvimento de valiosas qualidades no desempenho acadêmico de forma geral. Países de destaque no cenário internacional já perceberam essa correlação e vêm colhendo os benefícios dessa parceria de sucesso.
Álvaro Aranha é professor e técnico da equipe de Xadrez do Colégio Augusto Laranja